quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Lá no céu, os anos se encontram

Quando eu era criança, a noite de reveillon ficava restrita ao meu imaginário. Eu dormia muito cedo, no máximo às oito da noite. Então, até pelo menos os seis anos de idade, não havia presenciado uma virada de ano.

Por isso, o imaginário daquela criança era construído pelo relato do meu irmão, quatro anos mais velho do que eu. Ele me dizia que, à meia-noite do dia 31, se eu olhasse para o céu, viria o Ano que se encerrava, velhinho, dar as boas-vindas para o recém-nascido Ano Novo.

Agora, imagino como seria olhar para o céu, neste sábado, e ver o meu 2011 à meia-noite. Certamente, cheio de marcas de expressão no rosto, de quem viveu uma vida bem vivida. Com rugas das risadas dadas muitas vezes sem motivo.

As mãos estariam com calos de quem escreveu inúmeras histórias, tantas que os dedos até se perdem na hora de contá-las. As pernas, apesar de cansadas, ainda teriam pique para rodar muito mais este mundo atrás de novidades. E os olhos… bem, estes continuariam brilhando, como se todo dia fosse 1o de janeiro, cheio de novidades, expectativas e esperança.

Este meu 2011, mesmo exausto, ainda teria energia de sobra para viver muito mais tempo. Apesar disso, se juntaria lá no céu aos meus outros 30 e poucos anos. Todos com os cabelos grisalhos, repletos de boas lembranças. Todos torcendo para 2012 ser muito bem sucedido na sua caminhada.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Perdidos na cidade

A pequena tartaruga, no seu antigo "lar"
As perninhas pequenas nem se procupavam em acelerar o passo. O que elas estavam fazendo era tão improvável que ninguém se atreveria a procurá-las tão cedo. E assim, aquela minúscula tartaruga fugia, tranquilamente, do Inwood Hill Park, quase invisível em plena ilha de Manhattan.

Não sei bem se foi desta maneira que aconteceu, mas é como imagino que este ser indefeso tenha escapado de seu aquário. A noticia foi destaque nos principais noticiários locais. Mobilizou diversos funcionários, todos à caça da pobre fugitiva.

Na cidade onde as pessoas mal olham para o lado, prestar atenção no que esta abaixo de nós é ainda mais complicado. Pés e pernas se multiplicam em meio às ruas numeradas, em uma equação quase infinita. O vai-e-vem incansável sufoca, enlouquece… mas também vicia. Estranhamente, vicia.

Bastaram três meses para eu sentir esta química. Meu corpo hoje procura o ritmo acelerado de Nova York. Quer pulsar tal qual o sangue que percorre os pés e as pernas de quem anda por aqui. Não se cansa, só se alimenta desta rotina. Perde-se na metrópole, e não quer ser encontrado.

O mesmo deve ter ocorrido com a pequena tartaruga. Uma vez em liberdade, fatalmente se espantou, se admirou e logo se apaixonou por Nova York. Na sua velocidade, de cerca de cem metros por hora, conseguiu vencer os obstáculos, e ganhar a cidade. É a Little Turtle na Big Apple.

quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Inversão de papéis

Sou uma pessoa observadora. Agora, no outono, às vezes passo horas olhando pela janela, admirando a árvore no fundo do meu apartamento perder as folhas, conforme o vento sopra entre os seus galhos. É como se cada uma que caísse tivesse uma história diferente, e fico imaginando qual será o destino dela.

O mesmo acontece quando ando pela cidade. Olhar a feição no rosto dos desconhecidos e tentar descobrir algo da vida deles é um passatempo interessante. Nem preciso saber se estou certo ou errado, apenas invento histórias e brinco com elas na minha mente.

Outro dia fiz exatamente isso no metrô aqui em Nova York. Havia acabado de gravar a manifestação em Wall Street, e voltava para casa. Peguei a linha 4, expressa, que vai de downtown ao Upper East Side em uns vinte minutos. Vagão ainda vazio, me sentei. Logo em seguida, entrou um casal de idosos. Me levantei, e deixei a senhora se sentar no meu lugar.

Mais uma estação, e o marido dela se sentou ao lado. Olhei para os dois e comecei a pensar qual era o passado deles, há quanto tempo estavam juntos, se haviam morado sempre na cidade. E reparei que o senhor estava me observando. Eu desviava o olhar, voltava e lá estava ele, fazendo a mesma coisa. Me olhava com o canto de olho, disfarçava, pra depois voltar a me encarar.

Em alguns minutos cheguei à minha estação - que era a deles também. Os dois se levantaram, e a senhora me agradeceu novamente por tê-la deixado se sentar. Eis que o marido virou para mim e falou: "Sabe o que eu gosto de fazer quando ando de metrô? Observar as pessoas e imaginar a história delas." De cara, me disse: "Você é um jornalista de TV. Eu sei porque da cintura pra baixo está de calça jeans, e em cima, com blazer, camisa e gravata. Esta mala que está levando tem o seu equipamento de trabalho."

Fiquei tão impressionado que nem cheguei a comentar que eu fazia a mesma coisa. Só confirmei que ele estava certo, e, admirado, dei os parabéns. Rapidamente os dois se perderam na multidão. Meus olhos voltaram a procurar outras histórias. Mas minha mente continuou fixa naquela.