segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Invisibilidade na Times Square

Mala com equipamentos em uma mão, tripé na outra, as duas cobertas com luvas para me aquecer do frio de 3º C. Foi desta maneira que cheguei à Times Square, com uma missão: fazer um "povo-fala" sobre hits coreográficos que marcaram as últimas décadas. Para quem não é da área, "povo-fala" é quando o jornalista vai à rua pedir a opinião das pessoas sobre um determinado assunto.

Tripé montado, câmera ligada, microfone a postos, e pronto: em poucos segundos me tornei uma pessoa invisível no trecho mais movimentado de Nova York. Dificilmente alguém para pra falar, em geral nem olham pra gente, ignoram mesmo. Ou desviam o olhar e os passos se eu faço a menor menção de abordagem.

Eis que vi do outro lado da rua uma pessoa tão invisível quanto eu. Um homem de uns 60 anos, barba comprida, grisalha, cabelo desarrumado. Segurava um cartaz em que se lia: "Pague-me uma cerveja". Ele gritava palavras desconexas e tentava, também inutilmente, chamar a atenção de alguém. Todos desviavam os passos e os olhares.

Observei aquela cena, e notei que também era observado. Não desviei os olhos quando ele olhou para mim. Nem ensaiei uns passos ao perceber que o senhor andava em minha direção. Simplesmente fiquei lá, parado.

O homem, maltrapilho, se aproximou e perguntou: "O que você está fazendo aqui?". A voz dele saiu normalmente, sem dificuldades. As palavras agora faziam sentido. Expliquei que era repórter de uma emissora brasileira, e tentava entrevistar as pessoas por ali. Ele, curioso, ainda quis saber o tema das entrevistas.

Dei todos os detalhes, ele agradeceu, se virou e voltou ao canto dele. Sentou-se na calçada, e mais uma vez levantou o cartaz, gritando frases sem sentidos. E eu voltei a tentar abordar as pessoas. Nós dois reassumimos a nossa invisibilidade.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Com vocês, a Emily

Acordei às sete horas da manhã, e segui minha rotina. Liguei a televisão, preparei o café-da-manhã e fui ler, na internet, os jornais e sites daqui e do Brasil. Foi quando bati o olho na notícia da morte do cantor Wando. Por impulso, fui no youtube, digitei "Fogo e Paixão" e me perdi entre raios, estrelas e luares. Aí lembrei da Emily…

O prédio onde moro é pequeno, são cinco andares, quatro apartamentos em cada um: dois de frente e dois de fundo. Logo, só tenho uma vizinha de parede: a Emily. A gente se conheceu assim que me mudei. Estava eu em casa quando tocou o interfone. Era a antiga moradora, querendo ver se havia cartas para ela. Abri o portão. Um minuto depois, ela bateu na porta: precisava da chave da caixa do correio. E eis quem também abre a porta: a Emily. Detalhe: eu estava só de cueca e roupão, afinal, não esperava "visitas".

Mas, não foi por isso que eu me lembrei dela ao ouvir o Wando. E sim porque eu sempre penso se ela me acha meio louco. Vamos aos detalhes…

25 de janeiro, aniversário de São Paulo. Para celebrar a data, resolvi ouvir algumas músicas de Adoniran Barbosa. E dá-lhe "Saudosa Maloca", "Trem das Onze" e "Tiro ao Álvaro" desde a madrugada.

Todos os dias, faço exercícios para a voz, passados pela fonoaudióloga da TV. E dá-lhe "Triiiiiimmmmmm, triiiiiimmmmmm, triiiiiimmmmmm", "Ommmmmmmmmmmmm", "vuuuuuuuuuuuu, vuuuuuuuuuuuu",  além de sons guturais impossíveis de reproduzir no papel.

Além disso, sempre leio os textos das minhas reportagens em voz alta, conforme escrevo. E como costumo escrever, apagar, mudar algo e escrever novamente, leio tudo isso muitas e muitas vezes. E dá-lhe "O presidente dos EUA", "Barack Obama", "O presidente americano".

Outro dia, a gente se encontrou no corredor, e eu toquei no assunto. Perguntei: "Você deve me ouvir muitas vezes falando sozinho, né?" Já havia falado em outra ocasião que era repórter, e reforcei que este era o motivo do falatório e de qualquer tipo de barulho estranho. Não sei se colou, mas pelo menos tentei justificar a minha aparente loucura…