quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Inversão de papéis

Sou uma pessoa observadora. Agora, no outono, às vezes passo horas olhando pela janela, admirando a árvore no fundo do meu apartamento perder as folhas, conforme o vento sopra entre os seus galhos. É como se cada uma que caísse tivesse uma história diferente, e fico imaginando qual será o destino dela.

O mesmo acontece quando ando pela cidade. Olhar a feição no rosto dos desconhecidos e tentar descobrir algo da vida deles é um passatempo interessante. Nem preciso saber se estou certo ou errado, apenas invento histórias e brinco com elas na minha mente.

Outro dia fiz exatamente isso no metrô aqui em Nova York. Havia acabado de gravar a manifestação em Wall Street, e voltava para casa. Peguei a linha 4, expressa, que vai de downtown ao Upper East Side em uns vinte minutos. Vagão ainda vazio, me sentei. Logo em seguida, entrou um casal de idosos. Me levantei, e deixei a senhora se sentar no meu lugar.

Mais uma estação, e o marido dela se sentou ao lado. Olhei para os dois e comecei a pensar qual era o passado deles, há quanto tempo estavam juntos, se haviam morado sempre na cidade. E reparei que o senhor estava me observando. Eu desviava o olhar, voltava e lá estava ele, fazendo a mesma coisa. Me olhava com o canto de olho, disfarçava, pra depois voltar a me encarar.

Em alguns minutos cheguei à minha estação - que era a deles também. Os dois se levantaram, e a senhora me agradeceu novamente por tê-la deixado se sentar. Eis que o marido virou para mim e falou: "Sabe o que eu gosto de fazer quando ando de metrô? Observar as pessoas e imaginar a história delas." De cara, me disse: "Você é um jornalista de TV. Eu sei porque da cintura pra baixo está de calça jeans, e em cima, com blazer, camisa e gravata. Esta mala que está levando tem o seu equipamento de trabalho."

Fiquei tão impressionado que nem cheguei a comentar que eu fazia a mesma coisa. Só confirmei que ele estava certo, e, admirado, dei os parabéns. Rapidamente os dois se perderam na multidão. Meus olhos voltaram a procurar outras histórias. Mas minha mente continuou fixa naquela.

4 comentários:

  1. adorei Marcelo!!! sabe q faco a mesma coisa aqui nessa cidade....e adoro tambem!!!kisses,Lysia

    ResponderExcluir
  2. Apesar de não existir o contato olho no olho aqui, e de aparentemente existir uma certa indiferença com relação ao próximo (imagino que principalmente depois dos ataques terroristas), uma boa parte da população, composta de aproximadamente 250 culturas e repleta de artistas, manifesta seu estilo de vida através de roupas, acessórios, etc. Isso é o que faz NYC ser tão especial.

    Adorei sua história. É um lembrete de que aqui observamos e estamos sendo observados o tempo todo, mesmo que de maneira muito mais discreta que em nosso país.

    Abs, Simone

    ResponderExcluir
  3. Que legal Mamede. Gostei muito. Na verdade isso é uma crônica do cotidiano. Os trens, metrôs, ônibus têm histórias para contar, sabe porquê? Porquê o povo é que anda neles e não há nada mais rico do que histórias do povo, já dizia Carlos Drumond de Andrade. Parabéns pela observação. Saudades do meu repórter preferido.
    If you need me..I'm here...You've got a friend... Be I.....kisses

    Jorge Duran - SP/Brasil

    ResponderExcluir