quarta-feira, 19 de março de 2014

Sobre o Iroman e ferros de passar roupa...

Outro dia, andando na região de midtown, uma amiga e eu nos deparamos com a seguinte placa de carro: CITYMD, iniciais que querem dizer algo como "Médico da Cidade". Aqui no estado, os veículos podem ter placas personalizadas. Foi quando imaginamos qual seria a minha, e rapidinho chegamos a esta: IRONMAN.

A explicação está longe da cansativa prova que reúne corrida, natação e ciclismo, e mais perto de um ferro (iron) e uma tábua de passar… Motivo: eu passo minha roupa. Mais do que isso: eu gosto de passar a minha roupa. E não tenho vergonha de assumir este gosto peculiar.

Sempre que digo isso a alguém, recebo os mais diversos olhares: de reprovação, indignação, curiosidade… Em muitos casos, eles vêm seguidos de adjetivos, como perfeccionista, pão-duro e até louco - este último, com aquela sugestão implícita de que eu procure um tratamento o mais rápido possível.

A minha relação com o ferro de passar roupa começou cedo. Lembro da época de escola, com 4 anos, quando tive de levar uma camiseta para lavar e passar. Era uma atividade do Jardim da Infância, não sei bem com qual objetivo. Só sei que gostei daquilo!

Em casa, em São Paulo, minha mãe tem uma prancha de passar roupa, dessas parecidas com as usadas em lavanderias. Basta colocar a peça ali, esticada, e baixar a parte de cima para camisas e calças ficarem lisinhas. Gostava de brincar lá quando criança, com a máquina já desligada, claro,  sem oferecer perigo para minhas mãos.

Quando me mudei para Nova York, fiquei algumas semanas sem passar roupa. "Tudo sai da secadora praticamente passado, é só dar uma sacudida, dobrar e está pronto pra usar." Era isso que eu ouvia dos moradores daqui. Confesso que tentei, por um tempo, me adaptar a este estilo. Mas, sinceramente, os amassados continuavam por lá.

Então, aderi à moda - nada americana - de passar roupa. Calças, camisas, camisetas… E ao contrário do que muitos dizem, não considero perda de tempo. Consigo usar o ferro enquanto assisto aos telejornais, seriados, filmes ou ouço uma música.

Só não vou perder mais tempo explicando este meu gosto para as pessoas. Até porque, a partir de hoje, não direi mais que passo roupa, e sim que pratico Ironman!

quinta-feira, 13 de março de 2014

O instinto de sobrevivência de um repórter - ou a falta dele

"Ma. PelamordeDeus. Vc mora no Harlem?" Este foi o bom dia que recebi da minha editora nesta 4a-feira, pelo whatsapp. Antes de pedir para eu fazer a reportagem, ela queria saber se estava vivo.

Sempre digo que repórter não bate muito bem da cabeça. O nosso instinto de sobrevivência funciona de maneira diferente das pessoas "normais". Não corremos dos perigos, e sim em direção a eles.

Lembro da época da faculdade. Uma vez, houve uma ameaça de bomba no prédio principal. Enquanto ele era evacuado, meus amigos e eu corremos até lá com gravadores e blocos na mão para vermos o que estava acontecendo. (No final, era só uma lata de achocolatado com areia dentro)

Em quase quinze anos de profissão, já estive em algumas situações arriscadas. Desde entrar em favelas em São Paulo, sendo observado por traficantes, passando por deslizamentos no Rio de Janeiro, manifestações na Venezuela e no Equador e ameaças de grileiros no Pará. Mas sempre só percebo o perigo depois de tudo ter terminado.

E às vezes fico sem perceber mesmo! No ano passado, fiz uma reportagem sobre criminalidade em Newark, Nova Jersey. Fui de trem, e carreguei a câmera no ombro da estação até a delegacia de polícia, uma distância de uns 15 quarteirões que percorri a pé. Claro, fui gravando no caminho, e recebi umas ameaças disfarçadas de pessoas não muito amigáveis. Quando contei isso ao delegado, só faltou ele me chamar de louco! E, duvidando da minha sanidade, fez questão de me escoltar durante o restante das gravações...

Por isso é bom receber palavras como esta, da minha editora. Um amigo daqui de Nova York também me recomendou ontem: "Não chegue muito perto dos prédios", e eu logo repliquei: "Difícil pedir isso para um repórter, mas farei o possível". Já que meu instinto de sobrevivência não funciona muito bem, nada melhor do que pegar o dos outros emprestado!

quarta-feira, 5 de março de 2014

Os elefantes no fusca, ou o armário dentro do carro

Ja contei aqui como mobiliei meu 1o apartamento em NY, e a minha experiência do faça-você-mesmo. Como todos temos um quê de masoquista, no final do ano passado, quando precisei me mudar, lá estava eu de volta à mega-loja do Brooklyn, desta vez à procura de um armário.

Havia escolhido o modelo pelo site, então, fiquei pouco tempo na loja. E como estava com um amigo, colocar as partes do guarda-roupa desmontado no carrinho, para passar pelo caixa, foi tarefa fácil. A "diversão" mesmo começou quando fomos voltar para casa...

Uma amiga se ofereceu para ajudar no transporte, e deixou o Corolla dela à disposição. Sabe aquela piada dos cinco elefantes dentro do fusca? Então, foi mais ou menos isso que aconteceu na sequência...

Estávamos em quatro para entrar no carro. Meus dois amigos, eu e o armário - sendo que este último conseguia ser maior do que eu, com 2,05 metros de altura e 137,7 quilos! Caixas entravam e saíam do porta-malas, nas mais diversas posições, tal qual um kama sutra para road trips.

Com muito jeitinho, e após várias tentativas e erros - que superaram tremendamente os acertos -  o nosso ilustre passageiro conseguiu ocupar todo o bagageiro e o banco de trás, que a esta altura já estava completamente deitado.

À dona do carro sobrou um pequeno espaço embaixo de uma das caixas. Graças a sua boa flexibilidade, conquistada com muitos pliés feitos na infância, o encaixe foi tranquilo. Meu amigo foi no banco do passageiro, e eu, dirigindo, tão espremido que minhas pernas quase tocavam o queixo, enquanto a testa tentava escapar pelo teto solar.

Os dezessete quilômetros seguintes, que separam o Brooklyn do East Harlem, foram divertidos - pelo menos para mim. Já os meus amigos, não entendo, ficaram meio tensos... Gritavam quando eu passava de 50km/h, fazia uma curva um pouco mais fechada ou tentava atender o telefone, ou melhor, tentava encontrar o aparelho, já que o aperto era tamanho que nem dava pra saber em que bolso ele estava tocando. E o armário… bem, este não tinha do que reclamar, era o melhor acomodado entre todos nós.

Agora, o momento mais belo da noite foi quando lindos flocos branquinhos começaram a cair magicamente do céu, tocando lentamente o asfalto, deixando o vidro do carro todo encoberto, enquanto eu comentava, encantado, que nunca havia dirigido na neve. Acho que era o que faltava para os dois aprenderem a pensar duas vezes antes de aceitar fazer um favor!

Para encerrar: o armário chegou inteiro, está bem acomodado no quarto, mas não quer mais saber de passear tão cedo por Nova York... Já minha amiga, dona do carro, parece que não ficou traumatizada. Tanto que, algumas semana depois, me ajudou a transportar uma TV de 42 polegadas e mais de 50 quilos! História que fica para um próximo texto...

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

#VireiUmaHashtag

Confesso que a minha curiosidade é grande - muito grande. Por isso, logo que li a respeito do tal aplicativo Lulu, que avalia os homens, pedi para uma amiga ver o que tinha lá a meu respeito. O que me surpreendeu mais nem foram os comentários, mas como hoje as pessoas resumem tudo - e todos - a simples hashtags.

Estas palavras-chaves surgiram tímidas, no twitter, e logo se espalharam pelo facebook e instagram. Nada mais são do que assuntos antecedidos pelo símbolo do jogo-da-velha "#".  Por exemplo, se alguém está em contagem regressiva para as férias, pode colocar um texto ou uma foto acompanhado por #ferias #faltamxdias ou algo parecido.

Só que a criatividade do ser-humano é grande, e logo apareceram hashtags curiosas. Uma das minha preferidas, ou não, é a #sqn. Estas três letras reunidas significam "só que não", e servem para colocar abaixo toda uma sequência lógica de pensamentos que vinha sendo escrita pela pessoa.

Imagine a cena: você começa a ler um texto do seu amigo dizendo que o trânsito de São Paulo está maravilhoso, as marginais, livres, e que a viagem ao trabalho que normalmente demora 40 minutos foi feita em 20. E do lado está o #sqn. Ou seja, tudo o que ele havia escrito antes é uma inverdade, uma grande ironia, nada mais do que uma maneira cansativa de falar que o trafégo continua péssimo. Praticamente uma grande pegadinha ali na sua timeline.

Temos também os viciados nesta ferramenta, e que  escrevem uma frase de não mais do que três ou quatro  palavras e ao lado colocam mais de 20 hashtags. Nos EUA, um casal teria inclusive batizado a filha de Hashtag Jameson!

Bem, voltemos ao Lulu. Como eu disse, uma amiga mandou uma cópia da minha página por lá. E tinham algumas hashtags, no mínimo, interessantes para me definir, como a #DeixaAsInimigasComInveja. Fiquei pensando em quem teria sido a autora de comentários como #Ursinho e #BebeSemCair - principalmente porque não tenho o hábito de beber, ainda mais em excesso! E também tinham as críticas, como #Lerdo e #CertinhoDemais.

Não fiquei chateado, apenas imaginei como uma pessoa pode definir a outra em tão poucas palavras. Eu mesmo, que convivo comigo todos os dias há muitos anos, não saberia me resumir em apenas uma hashtag, precisaria de pelo menos umas cem só para começar! Por isso, faço um apelo: se você, que está lendo este texto, sabe avaliar os outros - eu incluído - tão bem, por favor, me ensina, quem sabe assim aprendo a ser um ser-humano melhor #MeAjuda

segunda-feira, 29 de julho de 2013

A Pulga, o Percevejo e a Paranoia

Aquela era a primeira noite na minha própria cama em Nova York. Havia ficado uma semana dormindo no chão, no apartamento recém-alugado, e agora, finalmente teria um pouco de conforto. Dormiria feito um bebê, certo? Errado! Passei longas horas acordando constantemente, usando meu celular como uma lanterna em busca deles, os temidos percevejos.

A neurose tinha um motivo. Antes de me mudar para cá, entre tantos conselhos recebidos, o de um amigo ficou na minha mente: "Toma cuidado com os bed bugs (percevejos), a cidade é infestada deles". Foi o suficiente para o jornalista aqui fazer uma pesquisa sobre o tema.

Realmente, era assustador. Existe até um site com um mapa mostrando prédios e apartamentos onde já houve infestação, além de estatística dos bairros mais "perigosos",  fotos de impacto e relatos minuciosos. Resultado: estava instalada a paranoia.

A minha noite parecia inspirada na música "A Festa dos Insetos", cujos versos dizem "torce, retorce, procuro mas não vejo. Não sei se era a pulga ou se era o percevejo". Procurei e não encontrei nada, mas claro que passei o dia seguinte me coçando. Comprei um inseticida específico para o problema. Borrifei no apartamento inteiro. E só fui me convencer de que tudo não passava de paranoia depois de uma semana.

Aprendi a lição? Óbvio que não. Semana passada, percebi duas picadas no meu corpo. E novamente pensei neles, os bed bugs. Tirei o colchão do lugar, troquei a roupa de cama, passei aspirador em todos os cantos, quase fiquei sufocado de tanto inseticida. Fiz nova busca na internet, e encontrei os mesmos resultados assustadores. Liguei para o Brasil, e compartilhei minha suspeita com minha mãe e minha irmã (família unida, paranoia unida).

Elas tentaram me acalmar, mas só fui sossegar mesmo depois de conversar com uma amiga, também meio neurótica, e que já teve problemas com percevejos. "As picadas estão perto uma da outra?" Não, uma era no lado esquerdo do peito, a outra, no cotovelo direito. "Foram no mesmo dia?" Não, tinham uma semana de distância. "Não deve ser bed bug, mas dorme mais dois dias na cama pra ter certeza. Se não for picado, está tudo ok."

Agora, quatro dias depois (óbvio que iria esperar mais do que o recomendado), posso voltar a dormir tranquilo.  Sei que na minha casa eles não estão. Mas não paro de pensar que os temidos insetos continuam lá fora, espalhados pela cidade. Na companhia de ratos! Ah, os ratos... Bem, essa paranoia é assunto para outro texto.

terça-feira, 16 de julho de 2013

A caixa e o sexo

Quem conhece o romance Tieta, de Jorge Amado, certamente se lembra do mistério envolvendo a caixa que a personagem Perpétua guardava no armário - e que atiçava a curiosidade dos moradores de Santana do Agreste.

Pois bem, semana passada foi a vez de Nova York ganhar um mistério parecido. Uma outra caixa, maior que a da ficção, mexeu com a imaginação das mais variadas pessoas. Qual o segredo escondido lá? O sexo do bebê Araújo.

Deixe-me explicar a história. Um casal de amigos está esperando o 2o filho. Quando grávidos do 1o, aguardaram o parto para descobrir que era um menino. Durante a gravidez, a cada ultrassom os dois ganhavam um torcicolo de tanto virar o pescoço na hora em que o sexo estaria evidente no monitor.

Desta vez, não aguentaram esperar. E decidiram compartilhar a informação numa "festa de revelação do sexo". Alguém mais desavisado - como chegou a ocorrer - poderia imaginar que se tratava de uma reunião, digamos, contra a moral e os bons costumes. Uma festa de nudismo, quem sabe. Ou até mesmo a oportunidade de um enrustido sair do armário e se revelar ao mundo.

Mas a festa - novidade para mim e para muitos ali presentes - era o momento em que todos, inclusive os pais, ficariam sabendo qual o sexo do bebê. Para isso, um balão, azul ou rosa, sairia de uma enorme caixa no momento em que ela fosse aberta pelo outro filho do casal.

O exame de ultrassom foi entregue na 4a-feira para uma amiga. E claro  que não faltaram curiosos querendo arrancar dela o resultado - inclusive eu! Mandei diretas e indiretas por email, facebook e whatsapp. Pessoalmente, fiquei durante três horas, num jantar, procurando arrancar um ato falho. E a única coisa que descobri é que não sou um bom jornalista investigativo...

No sábado, na casa dos anfitriões, os convidados estavam divididos:  uns usavam roupa rosa, outros, azul. Mas também havia quem preferisse o laranja ou o verde com bolinhas brancas, talvez por causa de um daltonismo ou por achar que o bebê apareceria na foto com a perna cruzada.

No momento tão esperado, a enorme caixa foi aberta. Dela, saíram balões brancos, amarelos e o revelador azul. Tal como aquela cobrança decisiva de pênalti, houve muita comemoração, e também alguns rostos mais frustrados. 

Pelo menos o conteúdo desta caixa não escandalizou os convidados, tal como ocorreria se fosse aberta a de Perpétua. Se você ainda não se lembrou do que havia lá, melhor fazer uma busca na internet - afinal, este blog ainda respeita os bons costumes...

quinta-feira, 13 de junho de 2013

Qual o seu plano para daqui a um ano?

Na entrevista para renovar o visto, o oficial de imigração faz uma última pergunta: "Qual  seu plano para daqui a um ano?" Eu penso um instante, e respondo: "Meu plano para daqui a um ano? Ah, eu quero me casar, quem sabe já estar com um filho a caminho. Não precisa ser parecido comigo não, melhor até ser igual à mãe dele, que eu vou amar os dois incondicionalmente." 

Dou um suspiro, e continuo, mostrando minha mão direita: "Mas me diga uma coisa, você está vendo uma aliança neste dedo? Não, né? Então... Ontem foi dia dos namorados, e eu passei a data sozinho. Sozinho!!!!" 

Já com uma certa irritação, falo: "Hoje é dia de Santo Antônio, e onde eu estou? Na fila de uma igreja pra pegar o pão sagrado, casamenteiro? Não, estou aqui na fila deste consulado frio." 

Revoltado, despejo na cara dele: "E por acaso é uma americana loira, peituda e gostosa que me atende? Até parece... Quem está do outro lado deste vidro à prova de balas é um branquelo magrela, que ainda por cima vem me perguntar quais meu planos para daqui a um ano. Quer saber qual o único plano que tenho? É um plano de saúde, com cobertura em todo o Brasil. E onde eu moro? Nos Estados Unidos! Estados Unidos!!!! Está tudo errado. Tudo errado!" O oficial, constrangido, me dá um papel para a retirada do passaporte, sussura um "boa viagem" e grita: "Próximo!"

PS: Antes que alguém fique em dúvida, a pergunta realmente ocorreu, mas a resposta é fictícia...